Dossiê

Memória do crochê cultura afetiva em objetos biográficos

Crochet Memory: Affective Culture in Biographical Objects

Memoria Crochet: Cultura Afectiva en Objetos Biográficos

Nadja Maria Mourão 1
Universidade do Estado de Minas Gerais , Brasil
Ana Célia Carneiro Oliveira 2
Universidade do Estado de Minas Gerais, Brasil

Revista de Ensino em Artes, Moda e Design

Universidade do Estado de Santa Catarina, Brasil

ISSN: 2594-4630

Periodicidade: Bimestral

vol. 5, núm. 2, 2021

modaesociedade@gmail.com

Recepção: 01 Fevereiro 2021

Aprovação: 01 Abril 2021



DOI: https://doi.org/10.5965/25944630522021069

Autores mantém os direitos autorais e concedem à revista o direito de primeira publicação, com o trabalho simultaneamente licenciado sob a Licença Creative Commons Attribution 4.0 Internacional, que permite o compartilhamento do trabalho com reconhecimento da autoria e publicação inicial nesta revista.

Resumo: Um objeto qualquer pode se tornar um objeto biográfico a partir da construção dos fatos, do tempo e do ambiente onde o mesmo foi inserido, em relação à vida humana. Compreender a importância das relações afetivas entre os seres humanos e os seus objetos biográficos do cotidiano, constitui-se o objetivo principal para o desenvolvimento deste trabalho. Inclusive, busca-se identificar a relevância das relações afetivas entre pessoas, por meio do fazer crochê e seus reflexos positivos para a memória coletiva. Esta pesquisa bibliográfica, qualitativa, de forma expositiva recria um contexto teórico. Por abordagens metodológicas do design social, utiliza estudos de artigos e demais produtos científicos. As relações afetivas que se instalam ente o ser humano e estes objetos também podem definir o tempo, o lugar, a história de vida de um indivíduo ou grupo social, enfim situar o território. O artesanato do crochê pode ser executado em grupo e, consequentemente, por dedicação do grupo, torna-se uma tradição. Observou-se que o crochê pode ser aplicado em qualquer objeto, desde que se utilize o potencial criativo e a pesquisa de materiais. Para atender ao trabalho coletivo, busca-se matéria-prima na região. Ele impulsiona o movimento de revalorização do “feito à mão”. Dessa forma, torna-se possível inserir as relações afetivas com os objetos, com os lugares e toda a história de vida de um indivíduo ou grupo social.

Palavras-chave: Memória afetiva, Objetos biográficos, Artesanato de crochê.

Abstract: Any object can become a biographical object from the construction of the facts, the time and the environment where it was inserted, in relation to human life. To understand the importance of the affective relationships between human beings and their biographical objects is the main objective for the development of this work. Including, it seeks to identify the relevance of affective relationships between people, by means of crocheting and its positive reflections for the collective memory. This bibliographical, qualitative research, which, in an expository way, recreates a theoretical context. By social design methodological approaches, it uses studies of articles and other scientific products. The affective relationships that are installed between human beings and these objects can also define the time, the place, the life history of an individual or social group, in short, situate the territory. Crochet handicraft can be executed in a group and, consequently, by group dedication, it becomes a tradition. It was observed that crochet can be applied to any object, as long as the creative potential and the research of materials are used. To meet the collective work, raw materials are sought in the region. It drives the movement of revaluing the “handmade”. In this way, it becomes possible to insert the affective relationships with the objects, the places, and the entire life history of an individual or social group.

Keywords: Affective memory, Biographical objects, Crochet crafts.

Resumen: Cualquier objeto puede convertirse en objeto biográfico a partir de la construcción de los hechos, el tiempo y el entorno donde fue insertado, en relación a la vida humana. Comprender la importancia de las relaciones afectivas entre el ser humano y sus objetos biográficos cotidianos es el principal objetivo para el desarrollo de este trabajo. También busca identificar la relevancia de las relaciones afectivas entre las personas, a través del crochet y sus reflejos positivos para la memoria colectiva. Esta investigación bibliográfica, cualitativa, que, de manera expositiva, recrea un contexto teórico. Utilizando enfoques metodológicos del diseño social, utiliza estudios de artículos y otros productos científicos. Las relaciones afectivas que se instalan entre el ser humano y estos objetos, también pueden definir el tiempo, el lugar, la historia de vida de un individuo o grupo social, en definitiva, situar el territorio. La artesanía en crochet se puede hacer en grupo y, en consecuencia, debido a la dedicación del grupo, se convierte en una tradición. Se observó que el crochet se puede aplicar a cualquier objeto, siempre y cuando se utilice el potencial creativo y la búsqueda de materiales. Para servir al trabajo colectivo, se buscan materias primas en la región. Impulsa el movimiento de revalorización del “hecho a mano”. De esta forma, se hace posible insertar relaciones afectivas con objetos, lugares y toda la historia de vida de un individuo o grupo social.

Palabras clave: Memoria afectiva, Objetos biográficos, Artesanías de crochet.

1 INTRODUÇÃO

Historicamente, o mundo conhece o crochê como uma forma de tecer com agulha e linhas entre os hábeis dedos de mãos que, artisticamente, produzem essa atividade cultural geracional. Em diversos povos, esse fazer manual se constitui na memória do próprio objeto em cada ponto tecido, como também na memória cultural afetiva que permanece se adequando ao contexto contemporâneo.

De acordo com Von Simson (2003), existe uma memória individual que é aquela guardada por um indivíduo e se refere s suas próprias vivências e experiências, que contêm também aspectos da memória do grupo social local, ou seja, onde esse indivíduo foi socializado. O crochê se contextualiza na memória individual e coletiva, pois todas as atividades produzidas pelo ser humano e suas relações sociais estão contidas no processo evolutivo.

O homem está afetivamente presente no mundo, tanto nas relações com os outros, quanto com os objetos e com os espaços que o cercam, segundo Le Breton (2009). Assim, deve-se “olhar” para os objetos, considerando o processo de criação, suas técnicas e atividades manuais que geram produtos geracionais. Dessa forma, são estabelecidas as relações humanas com objetos, como ferramentas para a construção de memória e afetividade. Os produtos, além do valor material, constituem-se no processo da história as pessoas.

Compreender a importância das relações afetivas, entre os seres humanos e os seus objetos biográficos do cotidiano, constitui-se no objetivo principal para o desenvolvimento deste trabalho. Inclusive, busca-se identificar a relevância das relações afetivas entre pessoas, por meio do fazer crochê e seus reflexos positivos para a memória coletiva.

Sobre a vivência humana, Thompson (1981) considera que:

A experiência é um termo médio necessário entre o ser social e a consciência social: é a experiência (muitas vezes a experiência de classe) que dá cor à cultura, aos valores e ao pensamento: é por meio da experiência que o modo de produção exerce uma pressão determinante sobre outras atividades: e é pela prática que a produção é mantida (THOMPSON, 1981, p. 112).

Esta pesquisa bibliográfica, qualitativa, de forma expositiva recria um contexto teórico. A partir das referências primárias e secundárias, estabelece os conceitos e procedimentos dos temas que envolvem o problema da pesquisa. Conforme Gil (1991), esse tipo de pesquisa permite amplitude ao investigador, além de ter como objeto trabalhos já reconhecidos, com um estudo direto em fontes científicas, sem precisar diretamente dos fatos/fenômenos da realidade empírica. Os dados foram obtidos por abordagens do design social, a partir do embasamento de pesquisadores do assunto.

No trabalho, destaca-se a importância da memória, sob o ponto de vista de Le Goff (2003, p. 447) que a define como “um glorioso e admirável dom da natureza, através do qual são revocadas as coisas passadas, abraçam-se as presentes e contemplam-se as futuras, graças à sua semelhança com as passadas”. Portanto, é através dela que o ser humano cria significados do cotidiano e acumula experiências. Contudo, para demonstrar a relevância da afetividade com os objetos na formação da memória do indivíduo, fez-se necessário caracterizar a importância da transmissão, de geração em geração, de valores tangíveis e intangíveis de afeto.

A partir dos objetos, é possível recuperar uma memória e contar de vida e registrá-la, promovendo a consciência social no indivíduo ou numa coletividade, além de contribuir para construções de diferentes saberes. Dessa forma, também se observam as técnicas e práticas individuais e coletivas do trabalho manual, como o crochê.

O emocionar está ligado ao convívio social, como coloca Maturana (1998), sendo assim, o afeto ferramenta cultural e social. O artesanato também pode produzir emoções, em especial os afazeres em crochê e tricô. Estas são atividades inseridas no “ensinar e vivenciar” experiências que, nesse campo do saber, encontram ambiente próprio, no qual o indivíduo constrói sua história.

Toda atividade realizada manualmente, com habilidade e destreza que resultam em artefatos, pode ser entendida como artesanato (BARROSO, 1996). Dessa forma, acredita-se na importância dos artefatos construídos, com a técnica manual do crochê, como formas de expressão cultural. Essas atividades preservam, em sua história, os diversos saberes e fazeres das gerações anteriores, sendo importante relembrar os objetos nos contextos em que estão inseridos.

2 OBJETOS BIOGRÁFICOS E SUAS RELAÇÕES AFETIVAS

Os objetos biográficos são como uma proposta de processo de conhecimento e construção de futuro, ou seja, um objeto qualquer pode se tornar um objeto biográfico a partir da construção dos fatos, do tempo e do ambiente onde o mesmo foi inserido, em relação a vida humana, conforme descreve Leite (2012).

Um qualquer objeto, ao ser socialmente reconhecido, implica a geração dos processos de pertença (discriminação, conjunção e agregação), através dos quais se reconstroem os sentidos do mundo ou a sua inteligibilidade. Em tese, qualquer reflexo do mundo permite a reconstrução e a representação desse mundo, não na sua dimensão real, mas como representação dos seus sentidos, de forma intersubjetiva (LEITE, 2012. p.27).

Segundo o autor, o objeto percorre um processo de espaço-tempo em permanente transformação, aliado às emoções e sentimentos dos usuários. As experiências individuais e sociais de histórias de vidas com os seus objetos possibilitam um vasto campo de conhecimentos. São experiências vividas que constroem sentidos; coloca o ser humano como transmissor de um olhar biográfico sobre si mesmo, sujeito da história, “transportam a densidade de significados que compõem as diferentes experiências dos sujeitos, as suas expectativas de ação e a natureza relacional onde a interação se processualiza” (LEITE, 2012, p. 23).

O homem é um indivíduo social que utiliza de relações sociais no seu processo evolutivo. As relações sociais são elementos fundamentais, de modo que a sua investigação é a base para a área da Psicologia Positiva do desenvolvimento (BUSSAB, 2003).

A Psicologia Positiva utiliza-se tanto de métodos tradicionais da verificação psicológica, quanto do que há de mais avançado no campo das neurociências para o estudo das emoções e do comportamento humano. Dessa forma, a Psicologia Positiva opta pelo caminho da investigação baseada na experiência, respeitando os rigores da metodologia científica e com base em suas análises em dados tangíveis, segundo estudos de Martin Seligman (2009), psicólogo americano.

As emoções podem gerar as escolhas do ser humano, pois elas fazem parte do campo das opções. Norman (2008), diz que as emoções servem, inclusive, de direção para o comportamento humano. Segundo ele, quem entra em ação nessa hora é o sistema afetivo – o responsável, em nosso organismo, por julgar o que é bom ou ruim, seguro ou perigoso. Nada a ver com a razão ou com a lógica. Para o autor, a explicação para esse fenômeno é simples: quando o ser humano se depara com algo que julga atraente, sente motivação, uma sensação de bem-estar.

A partir dos objetos é possível recuperar uma memória e contar de vida, bem como registrá-la, promovendo a consciência social no indivíduo ou numa coletividade, além de contribuir para construções de diferentes saberes. De acordo com Leite (2012, p.26), trata-se de “um saber que se alicerça na partilha das experiências como vontade de futuro”.

Esse momento, de registro dos fatos entre a pessoa e o objeto, é muito importante para a criação de uma consciência de si e o seu envolvimento. “Todos os objetos do mundo comum, ainda que permaneçam o que são quanto às suas aparências, podem ser re-situados de repente em uma outra relação na esfera da sensibilidade de quem os captura, adquirindo um outro tipo de valor” (MACIEL, 2004, p.103).

Os objetos como signos respondem a um propósito de outra ordem, qual seja: tornar possível que o objeto seja um registro da existência humana. Bosi (1994) discute a função dos objetos do cotidiano, atribuindo importância à dimensão afetiva. Neste estudo, relacionam-se o fazer - crochê e os objetos gerados, como objetos biográficos.

Esses objetos feitos de fios e suas diversas laçadas adquirem um sentido único – e pensar que podem possuir uma vida própria – uma importância na memória de uma ou mais vidas. Um objeto que se torna parte do lar, da história de uma determinada pessoa ou família, uma peça de coletânea os quais pertenceram a um afeto, algo precioso, que diz sobre a presença de alguém, ousadamente, torna- se a própria pessoa e seu lar.

Segundo Bosi (1994), os “objetos protocolares” são provisórios e podem ser encontrados nos pertences de muitas pessoas, valorizados pela moda e não pela relação particular estabelecida com seu usuário. Nesse sentido, os brinquedos, por exemplo, podem ser tanto um quanto outro, mas sempre haverá um brinquedo ou brincadeira na infância associado à memória afetiva que tenha impactado a vida de um indivíduo ou grupo. Mais fortes serão os laços de memória se vinculados aos lugares de memória.

Na figura 1, são apresentados produtos de crochê de uso familiar – forros de mesa e de sofá, um objeto decorativo em formato de galinha (todos em crochê) e almofada em formato de coruja. Estes objetos trazem o contexto do significado de uma época e dos fatos que se constroem na convivência com o objeto, da memória, elementos comuns que ultrapassam gerações.

Produtos de crochê de uso familiar: objetos biográfico do cotidiano
Figura 1
Produtos de crochê de uso familiar: objetos biográfico do cotidiano
Acervo da pesquisa, 2021.

Baudrillard (2000) destaca o valor afetivo das coisas, uma vez que objetos, para além de sua finalidade prática, servem para personificar as relações humanas:

Admitamos que nossos objetos cotidianos sejam, com efeito, os objetos de uma paixão, a da propriedade privada, cujo investimento afetivo não fica atrás em nada àquele das paixões humanas. [...] os objetos nesse sentido são, fora da prática que deles temos, num dado momento, algo diverso, profundamente relacionado com o indivíduo, não unicamente um corpo material que resiste, mas uma cerca mental onde reino, algo de que sou o sentido, uma propriedade, uma paixão (BAUDRILLARD, 2000, p. 93-94).

Os objetos são constituídos pelas próprias memórias dos sujeitos, peças que trabalham com emoções, afetos, intuições e saberes diferenciados que buscam diálogo para ações comuns e cotidianas na formação humana do tempo presente. Assim, como relata Leite (2012):

As ações a desenvolver podem ser, portanto, diferenciadas, plurais e multiformes. Não existem formas finais predeterminadas, nem existem regras predefinidas. O contexto é que determina o guião e os objetivos a atingir. O desafio dos objetos biográficos é o de colocar- se a si próprio em cena, e pela sua participação no grupo, através da encenação da própria vida, participar no processo transformador. Um processo de aprendizagem que tem por base a dignidade do ser humano, a sua capacidade e a importância como ser (LEITE, 2012, p. 35).

Dessa forma, sucessivamente, o indivíduo constrói e reconstrói a sua história de vida em função das suas experiências do passado e a sua experiência no presente, em função da sua vontade de futuro. Segundo Leite (2012), nessa memória, ele encontra a sua identificação com o todo, ou o modo como ele observa a sua relação processual entre a unidade e o todo. A consciência de si.

Interessante também observar, segundo o mesmo autor, que é um processo dinâmico de significações e ressignificações ao longo da história de vida. Os objetos, ao longo da trajetória do indivíduo no mundo, adquirem diferentes valores e níveis de importância. E, com eles, são estabelecidas diferentes conexões afetivas ao longo da vida. Diferentes daqueles distantes, inicialmente gerados na infância. São valores amadurecidos, incorporados àqueles dos primeiros anos de vida.

Outros pesquisadores apresentam reflexões acerca das emoções e dos sentimentos. Damásio (2011) elaborou um estudo para investigar, com ajuda de imagens de ressonância magnética funcional, como os sentimentos surgem nos seres humanos, por meio de suas histórias. O autor esclareceu que as emoções são expostas e visíveis. Os sentimentos são, por definição, a experiência mental que temos daquilo que se passa no corpo, isto é, uma reflexão sobre as emoções que estamos sentindo, de forma abstrata.

Maturana (2002) relata que emoções não são o que correntemente chamamos de sentimento:

(...) Quando mudamos de emoção, mudamos de domínio de ação. Na verdade, todos sabem isso na práxis da vida cotidiana, mas o negamos porque insistimos que o que define nossas condutas como humanas é elas serem racionais. Ao mesmo tempo, todos sabemos que, quando estamos sob determinada emoção, há coisas que podemos fazer e coisas que não podemos fazer, e que aceitamos como válidos certos argumentos que não aceitaríamos sob outra emoção (MATURANA, 2002, p.15).

O emocionar está ligado ao convívio social, como coloca Maturana (1998), sendo assim, o afeto se coloca como ferramenta cultural e social; o artesanato também está ligado a esta emoção, o que então não faz afazeres, como crochê e tricô, senão encontrar outros que os ensinem e busquem experiências nesse campo do saber, ou de encontrar nesses ambientes todo um processo no qual se inventou como indivíduo.

Com efeito, ainda somos animais colheitadores, e isso é evidente, tanto no bem-estar que sentimos nos supermercados, quanto em nossa dependência vital da agricultura; ainda somos animais compartilhadores, e isso é evidente na criança que tira comida de sua boca para dar à sua mãe, e no que acontece conosco quando alguém nos pede uma esmola; ainda somos animais que vivemos na coordenação consensual de ações, e isso vemos na facilidade com que estamos dispostos a participar de atividades cooperativas, quando não temos um argumento racional para recusá-las; (...) (MATURANA, 2002, p.24).

Outro autor que intensifica o emocionar é Norman (2008): ele crê que, além das tangibilidades, os objetos ostentam forma social e funções simbólicas, as intangibilidades.

Os objetos em nossas vidas são mais que meros bens materiais. Temos orgulho deles, não necessariamente porque estejamos exibindo nossa riqueza ou status, mas por causa dos significados e eles trazem para nossas vidas. Um objeto favorito é um símbolo, que induz a uma postura mental positiva, um lembrete que nos traz boas recordações, ou por vezes uma expressão de nós mesmos. E esse objeto sempre tem uma história, uma lembrança e algo que nos liga pessoalmente àquele objeto em particular, aquela coisa em particular (NORMAN, 2008, p.26).

A partir de estudos sobre qualidade de vida, espera-se que o artesanato do crochê possa despertar o interesse das pessoas em desenvolver habilidades prazerosas. Assim, esse fazer manual poderá ampliar os conhecimentos, estimular a memória e promover interação com outras pessoas que executem o crochê.

3 MEMÓRIA FAMILIAR - CULTURA AFETIVA

Existe uma memória individual que é aquela guardada por um indivíduo e se refere às suas próprias vivências e experiências, mas que possuem também aspectos da memória do grupo social onde ele se formou, isto é, onde esse indivíduo foi socializado. É, assim, o indivíduo livre de interesses políticos e sociais, tão necessitado de um sentido para sua vida quanto seus similares. Como exemplifica Oliveira, Mourão e Castro (2020), as pessoas guardam seus objetos como os seus saberes e fazeres manuais oriundos do contexto familiar, podendo resgatar a memória e, consequentemente, de sua própria condição humana.

Para Adélia Borges (2011), em seu livro “Design + artesanato: o caminho brasileiro”, os objetos artesanais ajeitam uma experiência autêntica em um mundo vivo e imprimem valores como afetividade humana, exclusividade e pertencimento.

Em vez da uniformidade e da padronização dos objetos industriais, são únicos, nunca idênticos. Têm a beleza da imperfeição - ou a “boniteza torta” de que falava a escritora e folclorista Cecília Meirelles. Envelhecem com dignidade, podendo permanecer ao nosso lado por toda a vida. Eles nos contam de um lugar preciso, onde foram feitos por pessoas concretas. São honestos, confiáveis. Transmitem cultura, memória. Trazem um sentido de pertencimento. Por tudo isso, podem tocar – e o uso do verbo tocar não é fortuito – nosso coração, a nossa alma (BORGES, 2011, p. 204).

Destacam-se os objetos artesanais que usam a técnica do crochê, que se utiliza de agulha e linha para tecer, em diferentes fios, desenhos e formas em relevos. O crochê é uma técnica de entrelaçamento de fios que lançam um trançado análogo ao de uma malha ou renda. No crochê, utiliza-se uma agulha em formato de gancho. Essa técnica exige paciência, cuidado e muita dedicação (OLIVEIRA; MOURÃO; CASTRO, 2020).

Há, ainda, muitas incertezas sobre a origem do ato de fazer o crochê. Acredita-se que tenha surgido na China como “uma forma muito antiga de bordado, conhecida na Turquia, Índia, Pérsia e Norte da África, que chegou à Europa por volta de 1700, conhecida como “tambour” do francês, tambor (SILVA, 2015.p.16).

O escritor dinamarquês Lis Paludan (1995) diz que o crochê veio da Arábia e chegou à Espanha pelos caminhos comerciais do Mediterrâneo. Contudo, as tribos da América do Sul, em tempos passados, utilizavam ornatos de crochê em cerimoniais da juventude.

O nome “crochê tem origem na palavra francesa croc que, em português, significa gancho” (SILVA, 2015, p.17). No fim da Idade Média, foi usado como uma reprodução de renda. No entanto, foi relatado que a rainha Vitória teria admirado essa técnica, facilitando sua difusão na Europa. Dessa forma, tornou-se mais sofisticado em textura e em desafios de trançado, misturado, inclusive, a bordados e a apliques com pedrarias, conforme Kelly (2007).

Pierre-Auguste Renoir (1841-1919), pintor francês, retratou uma “Mulher fazendo crochê”, título traduzido da obra de 1875, como uma jovem executando tarefas do cotidiano (Figura 2).

Mulher fazendo crochê 1987 pintor Renoir
Figura 2
Mulher fazendo crochê 1987 pintor Renoir
https://www.clarkart.edu/artpiece/detail/woman-crocheting

Fonte: https://www.clarkart.edu/artpiece/detail/woman-crocheting.

O crochê, de acordo com Silva (2015), está expresso em muitas e diferentes manifestações, como riqueza cultural do artesanato. Algumas de caráter inovador, que podem ser singulares, ou assumindo (na região) aspectos peculiares, em consonância com as especificidades da tradição e dos hábitos locais.

4 ARTESANATO - CROCHÊ MEMÓRIA

O artesanato é uma das mais tradicionais formas de manifestação cultural. Trata-se, então, de artefatos que podem estar ao redor dos indivíduos e auxiliar a formação da sua identidade, além de fazerem uma ligação com o mundo e sua história. Ele permeia o cotidiano do homem desde os povos mais primitivos. As operações comerciais, necessárias para adquirir alimentos e artefatos, estimularam a criatividade e os processos artesanais de produção de objetos (LAMPEN, 2001).

Toda atividade realizada manualmente, com habilidade e destreza, que resulta em artefatos, pode ser entendida como artesanato. O crochê, tanto quanto os tipos de artesanato, transmite os diversos saberes e fazeres das gerações anteriores. Dessa forma, é importante relembrá-los como objetos que contam histórias dos contextos em que estão inseridos. Cada artesão transmite, por seus métodos pessoais, a arte apreendida e a satisfação em executar o trabalho. Portanto, ele é ativo como criador de objetos, cria o cenário cultural, imprimindo sua história, técnica de sua região e a sua subjetividade. Entender os costumes de criar e usar esses objetos permite examinar como acontecem as misturas culturais, geracionais e essencialmente afetivas entre gerações, pais e filhos, pares, mestres e aprendizes e, porque não, entre o artesão e seu usufruidor.

De acordo com Digby (2007), a principal e mais importante característica do trabalho artesanal é o evento de ele ser resultante de um trabalho criado pelas mãos, com sensibilidade, habilidade e esmero. O artesanato crochê é antecessor de processos industriais, trazendo, na sua essência, tradição e inovação, preservando memória, e paralelamente, requerendo mudanças sucessivas no modo de viver das pessoas.

Para algumas comunidades, esses artefatos, pertencentes ao processo criativo do coletivo, geram soluções locais. O artesanato do crochê pode ser executado em grupo e, consequentemente, por dedicação do grupo, torna-se uma tradição. Para atender ao trabalho coletivo, buscam-se matérias-primas na região. Dessa forma, a matéria-prima empregada habitualmente é aquela descoberta em fartura na região, podendo ser de fonte natural, como fibra de palmeira de buriti. A palmeira de buriti (Mauritia flexuosa Mart.) é encontrada em várias regiões do território brasileiro, principalmente no cerrado. Por existir em fartura, muitas comunidades usam o buriti para diversos produtos, desde construção de moradias aos utensílios em produção artesanal. O linho retirado das folhas do buritizeiro, beneficiado com cores diversas, é utilizado para a produção de crochê em comunidades onde o buriti se faz presente (OLIVEIRA, MOURÃO, CASTRO, 2020).

Na figura 3, apresenta-se um encontro de artesãs, na cidade de Barreirinhas, no Maranhão. Com a técnica do crochê e a fibra do buriti, essas artesãs transformam cada produto confeccionado em fonte de renda, por meio do trabalho associativo. Contudo, para essas mulheres, fazer crochê é uma prática de lazer após as atividades domésticas, um fazer cultural coletivo.

Grupo de artesãs de Barreirinha/Maranhão
Figura 3
Grupo de artesãs de Barreirinha/Maranhão
Equipe da Pesquisa, 2020.

A memória do trabalho artesanal constitui a base para as relações sociais humanas. Sua transmissão garante a proliferação de valores e vivência humana ao longo das gerações, estimulando a coletividade de diversos grupos sociais. Conforme Candau (2011), esse artifício garante que toda a estrutura já existente na sociedade atual se prevaleça, pois, em sua falta, perde-se tanto a socialização, quanto a educação, e freia-se, também, a existência de uma identidade cultural.

Se o homem não é um ‘homem nu’, mas um ser social, se ele pode ignorar a cifra de um ou dois milhões de neurônios que perde quotidianamente a partir dos 30 anos, é porque a transmissão contínua de conhecimentos entre gerações, sexo, grupos, etc. lhe permitem aprender tudo ao longo de sua vida e, ao mesmo tempo, vem satisfazer seu instinto epistêmico (CANDAU, 2011, p.106).

Os artefatos não estão apenas carregados de memória, de personalidade e de histórias, mas podem estar carregados de significados, simbologias que representam o lugar almejado de vivências humanas. Atualmente, observa-se uma valorização cada vez maior dos elementos e habilidades que compõem a essência cultural de uma sociedade. São artefatos que funcionam como elos de uma memória coletiva ou individual.

Neste período de incertezas, em que o mundo vivencia uma pandemia virótica, há um risco de perdas econômicas, principalmente para as comunidades mais carentes. O artesanato é uma das alternativas para geração de renda familiar. O artesanato em crochê se apresenta como uma atividade que pode ser executada por pessoas de quaisquer condições sociais, gêneros e idades. O crochê também contribui para o equilibro emocional. Neste mundo fragilizado, descobrem-se elos emocionais com o artesanato do crochê, tornando-os afazeres cotidianos.

Como foi pensado por (LIPOVETSKY, 2004), a pressão por ganho, flexibilidade, consumo acentuado e a lógica rápida faz modificar o íntimo do tempo; é na incerteza que cada vez mais se vive o presente. Para suavizar esse sentimento, o homem atento ao seu tempo busca em menções do passado novas maneiras de construir sua identidade e sua efetivação pessoal. Para este autor, o relembrar o passado nasce como uma base da vida com propriedade e segurança.

Isso porque o “autêntico” tem sobre nossas sensibilidades um efeito tranquilizador: os produtos “a moda antiga”, associados a um imaginário de proximidade, de convivialidade, de “bons e velhos tempos” (a aldeia, o artesão, o amor ao ofício), vêm exorcizar o desassossego dos neoconsumidores obcecados com segurança de todo tipo, desconfiados da industrialização do comestível (LIPOVETSKY, 2004, p. 90).

São trabalhos feitos com linhas tradicionalmente realizados por mulheres. Herança da colonização Portuguesa, os bordados, as rendas e os crochês fazem parte da história e também do cotidiano humano, seja na moda, na decoração ou mesmo como principal atividade econômica de milhares de pessoas que vivem no interior ou em uma capital.

Em relação ao artesanato crochê, é possível ponderar a análise de Cerqueira (2012), sobre os feitios do material, que leva à efetivação da memória coletiva através dos artefatos tangíveis. A afetividade pode surgir na relação da pessoa com a peça confeccionada artesanalmente. Os aspectos imateriais, que permitem a interpretação das relações entre as amostras simbólicas e o desenvolvimento das identidades culturais é uma relação de harmonia com a técnica do artesanato em si. Deve-se garantir, essencialmente, que a população aprecie seus bens, de forma a dar sentido à sua procura pela preservação patrimonial. Tal identificação deve ocorrer através de paralelos entre sua autoridade na formação histórica de sua cultura e a identidade sentimental. Por meio dessa identidade, as pessoas passam a sentir vínculos de pertencimento, uma relação local e material (CERQUEIRA, 2012). O crochê também mostra a cultura de um povo, seus traços, religião, suas tradições. Por exemplo, pode-se destacar o padrão de crochê muito conhecido e aplicado nas últimas décadas, o grannny square ou quadradinho da vovó, como é conhecido afetivamente no Brasil. São quadrados feitos de crochê, muitas vezes de cores diferentes, que são unidos e aplicados de formas variadas. No site da Magnolias Crocheteria, é relatado que não há registro científico de sua origem, mas que, após a quebra da Bolsa Americana em 1929, nos EUA, época da Depressão Econômica, as mulheres inovaram as peças de crochê, aproveitando as linhas diferentes, montado quadros coloridos, criando novas peças. Segundo artesãs mineiras, esses quadros não possuem medida exata, mas sempre segue a mesma técnica de crochê: parte- se do miolo, aumentando as correntinhas até criar fileiras de gomos que completam o quadrado (figura 4).

Quadradinhos da vovó, gráfico receita
Figura 4
Quadradinhos da vovó, gráfico receita
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A montagem destes quadros pode ser formas gráficas variadas e ilimitadas, formas poligonais como hexágonos e círculos também embarcam nessa arte, criando motivos cada vez mais criativos. Difundiram-se também nos anos 1970, quando o movimento hippie adotou formas geográficas coloridas nas roupas e em objetos de uso doméstico. Na figura 5, são apresentadas almofadas coloridas da atualidade, confeccionadas com os quadrinhos da vovó - uma arte popular.

Almofadas no modelo de quadrinhos da vovó
Figura 5
Almofadas no modelo de quadrinhos da vovó
@designparafelicidade, 2021.

Sobre a popular, Paviani (2003, p.46) diz que “é aquela que está arraigada na cultura popular, é aquela que concorda aos latejos telúricos, espirituais e sociais de um povo”. Se a arte popular representa o povo e é criada por ele, na maioria das vezes, com poucas soluções econômicas e matéria-prima da própria região, então ela é uma arte do povo.

A arte popular é do povo, mas nem sempre para o povo, não apenas por uma simples questão política de distribuição, mas também por uma questão de gosto e de formação estética. Às vezes o consumidor e destinatário da arte popular se encontram na classe dirigente, na elite econômica e intelectual, ou porque tem condições financeiras, ou por modismos, ou ainda por sensibilidade perceptiva (PAVIANI, 2003, p. 47).

O artesanato é uma atividade que pode ser considerada nas suas extensões histórica, econômica, social, cultural e ambiental. Ele busca para os seres humanos uma forma de se validar como ser dentro de um grupo social, como coloca Maturana:

A emoção fundamental que torna possível a história da hominização é o amor. Sei que o que digo pode chocar, mas insisto, é o amor. Não estou falando com base no cristianismo. Se vocês me perdoam direi que, infelizmente, a palavra amor foi desvirtuada, e que a emoção que ela conota perdeu sua vitalidade, de tanto se dizer que o amor é algo especial e difícil (MATURANA, 2002, p.23).

Carli et al. (2011) ressalta ainda que, apesar do artesanato ser uma das formas mais tradicionais de manifestação cultural, este necessita de renovação. Uma revisão de conceito, possivelmente através do design, que possibilitará novas oportunidades de inserção social, afetiva e na indústria. Então, este artesanato se mostra passível de modificações ao longo do tempo, não necessariamente perdendo as suas características principais, como a técnica de produção, mas adequando- se às novas demandas de um grupo social. Ainda, Barroso (1996) ressalta que a necessidade de adaptação ao mercado pelo artesanato, pode implicar uma quebra da identidade cultural dos produtos.

A busca pela identidade dos produtos é fator essencial para este artesanato. Segundo Vergara; Silva (2011), a identidade resulta do contato do artesão com a matéria-prima que humaniza a produção. Outro elemento predominante dessa identidade é o fato de os produtos serem manufaturados, em sua maioria, individualmente, resultando num novo artefato em pequena escala, que é valorizado por manter fortes características culturais.

Borges (2011) defende que o artesanato possui um caráter pessoal, por transmitir a singularidade de quem o produz, diferentemente dos artefatos gerados por máquinas, em produção em série e sem personalidade. Segundo a autora, o objeto artesanal tem imperfeições que transmitem cultura e memória. Tais características são responsáveis por agregar valores ao artesanato. Os artefatos carregados de significação alcançam o patamar da emoção, da estima do usuário.

A tradição dos modos de fazer manual, se estimulada como vivência e como economia social, é importante para o desenvolvimento individual e em comunidades. Busca-se preservar tais valores do grupo social, como nos lugares onde a memória é valor cultural imprescindível. Assim, o homem comum, ao agir memoravelmente, tem uma “autoconsciência cultural” que o situa como ser produtor de cultura. Ao homem contemporâneo, a coexistência com vestígios do passado costuma provocar conforto identitário, segurança por saber-se parte de uma construção antiga que lhe sustenta e justifica costumes e ações.

Conforme Meneses (2009, p. 19-33), “atos humanos pressupõem saberes na elaboração de coisas, escolhas nas formas de manifestá-los e, assim, conjugam materialidades e imaterialidades inseparáveis”. O saber-fazer vem da experimentação de sentir as etapas de um artifício de construção do conhecimento, e da importância de cada uma delas. Essa aptidão envolve um sentir em conjunto, com os outros, e com os sentidos das ações. Ou seja, deve-se considerar que o saber-fazer é uma atividade indissociável da construção da memória coletiva. Os conhecimentos passados por gerações, como o artesanato, mantêm-se em atividade comum em todos os povos.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O artesanato do crochê representa a junção do sentir, do fazer e da expressão de uma cultura local. Através de intervenções artesanais no contexto social de uma cidade, fomenta-se a cultura e estimula-se uma relação emocional mais intensa do indivíduo com o meio que habita.

Para demonstrar a relevância da afetividade com os objetos na formação da memória do indivíduo, fez-se necessário caracterizar a importância da transmissão de geração para geração dos valores tangíveis e intangíveis de afeto. Pode-se dizer que os objetos se tornam afetivos a partir do momento que eles adquirem importância para o usuário, a ponto de ele desenvolver relações de afeto, independentemente da sua natureza.

Por meio dos objetos bibliográficos, é provável que uma história possa ser contada, seja no contexto de memória de um indivíduo ou da coletividade. Dessa forma, eles são registros que também promovem construções de diferentes saberes. As relações afetivas, que se instalam ente o ser humano e esses objetos, também podem definir o tempo, o lugar, a história de vida de um indivíduo ou grupo social, enfim situar o território. Os objetos, carregados de elementos dos lugares transportam os significados e valores daqueles que o conceberam ou utilizaram os objetos. Considera- se, como Meneses (2009), que os fazeres manuais tradicionais se enquadram nessa categoria de permanências que sinalizam ao homem moderno sentimento de orgulho pelos saberes construído em seu passado.

Damásio (2011), Norman (2008) e Maturana (1998) buscam compreensão e entendimento das relações entre emoções e sentimentos. O convívio social interfere no emocional das pessoas. A afetividade é um sentimento vinculado ao bem-estar. Neste estudo, o crochê na comunidade, ensinado entre gerações, carrega valores da tradição e do afeto, é também uma ferramenta cultural e social.

As mudanças que a técnica do crochê sofre ao se adequar à rotina moderna das novas gerações aplicam-se novos conceitos, novas tendências, novos métodos e mesmo novas significações às memórias, a fim de mantê-la não apenas como objeto de recordação dos antepassados, mas como parte cultural dos povos ainda integrante do seu modo de vida, o que é fundamental para sua preservação e manutenção da identidade cultural, como apresenta Candau (2011).

O crochê pode ser aplicado em qualquer objeto, desde que se utilize o potencial criativo e a pesquisa de materiais. Ele impulsiona o movimento de revalorização do “feito à mão”. Os passatempos de gerações passadas. Ressurgem nas passarelas, nos salões de design, nas galerias de arte e nas intervenções urbanas pelo mundo, o uso das técnicas de crochê. Essas tendências incentivam os fatores de convívio social, da influência mútua e da busca pelo ócio, como forma de estruturação emocional. São os birôs de tendências já estabelecido-as em Milão, Nova York, Paris e outros polos de tendências da moda. Há uma influência mútua com as matérias- primas e os instrumentos aparentemente esquecidos no passado, como a fonte de materiais fornecidos pela natureza, seja o algodão, o linho, seja a lã. O movimento preocupa-se em produzir objetos que sejam atemporais, mesmo que isso signifique um maior tempo de fabricação, porque, ao serem feitos à mão, os objetos slows se tornam únicos. Técnicas manuais valorizam designers e tradições locais em função da lógica sustentável.

Construir constantemente, na vivência humana, práticas que fortalecem a tradição tem caráter de dinamismo e de ação transformadora de realidades; estas identificadas como culturalmente sustentáveis. A inserção dos valores humanos no cotidiano de uma sociedade é de fundamental importância para uma melhor qualidade de vida em seus relacionamentos, em especial, no familiar, considerando todo o processo social pelo qual o homem irá passar ao longo de sua vida.

Um dos valores destacados neste artigo é o da afetividade, o que implica a habilidade que as pessoas têm para expressar e receber afeto, sendo aos poucos construída e moldada. Estas necessitam conviver com as demais e, se a convivência for afinada, com respeito à individualidade de cada um, existirá um mundo melhor. Dessa forma, torna-se possível inserir as relações afetivas com os objetos, com os lugares e toda a história de vida de um indivíduo ou grupo social1.

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Notas

1 ALBERTINA FELISBINO, Albertina Felisbino, Doutora em Linguística, UFSC, 2005. Lattes: http://lattes.cnpq.br/5926255906627194, e-mail: lunnaf@uol.com.br.

Autor notes

1 Doutora e Mestra Design (PPGD/UEMG), Pós-doutorado em Design (PPGDg/UFMA - Bolsista CAPES-PROCAD), Pós-graduação em Arte Educação (FAE/UEMG), Bacharelado em Design de Ambientes (FUMA/MG). Professora da Escola de Design/UEMG. Coordenadora do Centro de Extensão da Escola de Design. Coordenadora de pesquisas do Centro Latino-Americano de Estudos em Cultura/CLAEC. Líder do Grupo de Pesquisa CNPq: Estudos em Design, Comunidades, Tecnologias Sociais e Iniciativas Sustentáveis/DECTESIS e Design, Identidade e Território (EDIT). Universidade do Estado de Minas Gerais,
2 Mestra em Design (PPGD/UEMG), Pós-graduação em Arte Educação (FAE/UEMG), Bacharelado em Design de Ambientes (FUMA/MG). Professora pesquisadora Centro de Estudos em Design de Ambientes da Escola de Design (CEDA/ED/UEMG) e membro Suplente do Colegiado do mesmo curso. Pesquisadora associada do Centro do Centro Latino-Americano de Estudos em Cultura (CLAEC) e Líder da linha de Pesquisa 3: Dinâmicas socioterritoriais e culturais da/na América Latina. Universidade do Estado de Minas Gerais,
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